‘Modelo econômico que exige muito mais energia renovável é grande oportunidade’, diz presidente da ABEEólica

Eletricista em João Pessoa
Presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum | Foto: Alex Régis

Com o Rio Grande do Norte sendo protagonista na geração de energia limpa no Brasil, o mercado de energias renováveis passa por transformações enquanto aguarda a saída do papel dos projetos do Porto Indústria para geração de energia renovável no mar. Segundo a presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, o estoque de energias em baterias passou a ser economicamente viável e pode ser uma nova perspectiva para a indústria energética.

Em nova visita ao Rio Grande do Norte, Elbia Gannoum participou nesta semana da segunda edição do “Diálogos”, evento em que todos os segmentos relacionados às energias renováveis passam um dia em discussões sobre os desafios do setor. “É um dia de diálogo para tratar tanto a questão ambiental quanto social e isso tem trazido para nós muitos resultados, porque é quando a gente percebe de perto o que precisa ser feito ou o resultado daquilo que está sendo feito”, cita.

Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Elbia Gannoum avaliou as perspectivas da energia eólica no Brasil, a transição energética em curso e como o setor tem lidado com as demandas judiciais em parques eólicos pelo Nordeste. Confira.

Como a sra tem avaliado o crescimento das empresas de energia renovável e quais os desafios do setor?

Nós estamos vivendo um momento muito desafiador na indústria da energia eólica, porque nós começamos com os projetos mais relevantes de energia eólica a partir de 2011. E desde então, o crescimento da fonte eólica foi exponencial. Até 2023, vimos a cada ano crescendo mais do que o ano anterior e isso trouxe uma participação muito forte da energia eólica na matriz elétrica brasileira. A eólica é a segunda fonte de geração de grande porte na matriz e muitos investimentos aconteceram ao longo desses anos. Então, a energia eólica no Brasil é um exemplo de sucesso global. Mas, neste momento em particular, nessa visão mais de curto prazo, a gente está vivendo um momento muito desafiador, que é a redução dos investimentos. E essa redução em eólica está associada principalmente à própria característica do mercado. O mercado não absorveu a velocidade que a indústria é capaz de trazer e, desde 2024, fechamos os dados do Conselho Global de Eólica, mostrando que houve uma redução na instalação de parques eólicos. E essa redução deve permanecer por uns três, quatro anos, até que a gente perceba novamente uma retomada nos investimentos de energia eólica. E nisso será um momento que precisaremos nos preparar para uma nova história, um novo patamar nessa indústria, porque é um histórico de muito sucesso. É muito difícil você ver uma indústria crescer e se desenvolver da maneira que a eólica cresceu no Brasil e até o fato do Brasil também ser um exemplo para o mundo.

Como a Abeeolica tem avaliado as perspectivas de chegada do Hidrogênio Verde e a exploração deste tipo de combustível? Muito se fala que 2030, 2035 a gente já pode estar explorando o hidrogênio verde. Você avalia dessa maneira?

A tecnologia é altamente conhecida, só que não a partir da produção do hidrogênio, a partir de energia renovável. Então, com essa concepção nova, que é a concepção do hidrogênio feito com eletrólise e essa eletrólise vir de energia elétrica renovável, o mundo todo olhou para isso entendendo o hidrogênio como a a molécula de solução para transição energética. E nisso temos muitos investimentos e muita euforia em torno do hidrogênio. Hoje estamos num momento de realidade do hidrogênio em que a gente esperava que 2026, 2027 já estaríamos produzindo grande quantidade de hidrogênio no mundo, e o Brasil como um ator central nesse processo, mas isso não aconteceu. Não aconteceu por questões de escala, principalmente, porque a tecnologia precisa escalar melhor, e por falta de compradores, que nós chamamos de off-taker.

A complexidade dos projetos é um fator que atrapalha?

Talvez isso seja um fator menor. O fator central nessa discussão é o custo. O custo do hidrogênio, a despeito da gente ter uma energia limpa, renovável, muito barata, a conta ainda não fecha, principalmente se você compara com outras moléculas. São barreiras transponíveis, mas elas não são transponíveis tão imediatamente como se imaginou no passado. É por isso que agora a gente está aguardando o hidrogênio para depois de 2030, 2032, em que todos esses fatores vão convergir e aí a gente tem realmente uma possibilidade muito grande de produção de hidrogênio.

O Brasil está se preparando para isso? No RN temos perspectiva do Porto Indústria.

Quando estamos falando desse novo – e essa preparação do novo que a indústria eólica está fazendo, a indústria renovável de forma geral vai ter que fazer – nós estamos vislumbrando justamente esse novo mundo em que nós vamos ter uma alta descarbonização da economia. As economias, os processos produtivos, vão precisar se ajustar para essa nova ordem econômica global, que é a economia de baixo carbono.

Então, as empresas que são produtoras de bens e serviços, as exportadoras de commodities, elas vão ter que descarbonizar a sua matriz de produção e vão precisar de muita energia renovável, seja energia elétrica renovável, seja moléculas renováveis como hidrogênio, como outros biocombustíveis. Esse é um fator de crescimento. Outro fator é a própria atratividade do Brasil. O país fazendo uma política industrial verde e atraindo empresas para produzir aqui. Por que o Brasil pode fazer isso? Porque ele é um país que tem uma posição estratégica no globo muito importante, principalmente nessa complexa geopolítica que a gente está vivendo, mas pelo fato do país ter uma abundância de recursos renováveis para produção de energia e esses recursos serem muito competitivos.

Nós estamos trabalhando para atrair indústrias para cá. E um fator chave nessa atratividade da indústria que nós já estamos percebendo agora é a tecnologia, ou seja, o investimento em estruturas em infraestrutura para tecnologia de informação, que são os data centers. A gente também tem que preparar o país para receber esses investimentos, investimentos que já estão acontecendo. Alguns contratos já estão saindo. Então, quando nós olhamos para esse novo modelo econômico que exige muito mais energia renovável do que no passado, nós estamos diante de uma grande oportunidade. Agora, esse novo modelo econômico tem características distintas. Por quê? Do lado da oferta, nós também estamos preparando projetos de eólica offshore. O estado do Grande do Norte tem um grande potencial. Hidrogênio e tudo isso vêm numa concepção em que exige grandes infraestruturas e principalmente infraestruturas de portos. O Porto Verde, o Porto que o Rio Grande do Norte está trabalhando, a governadora nos disse que em uma ou duas semanas o BNDES vai lançar o edital do porto. Ele vai vir justamente como resposta para isso e eu entendo, sim, que precisa ser rápido.

Qual a importância do RN no cenário das energias renováveis? Tivemos, por exemplo, R$ 10 bi em investimentos e 1.500 empregos no Estado em 2024.

Esses números de emprego e de renda que a gente percebe no Estado é o que nós chamamos de efeito multiplicador da economia. Eles estão fortemente atrelados à quantidade de energia que a gente instala por ano. A cada R$ 1 que você investe em energia eólica, você traz R$ 3 em termos de PIB para economia. E PIB é geração de emprego, é geração de renda, é investimento. Então, na medida que nós vamos trazendo mais investimentos, mais projetos, esse efeito multiplicador traz muito crescimento e desenvolvimento para as regiões. É claro que nesse período de onda baixa de investimento, os números estão menores, mas na medida que a gente está se reestruturando e se preparando para esse novo que está por vir, vamos ter realmente um resultado muito importante. O Estado tem uma natureza, e portanto, uma vantagem comparativa muito grande para a produção de energia renovável.

Como tem sido o uso de baterias para estoque de energias no setor?

O uso de baterias já é bastante comum em outras geografias, em outras economias – Estados Unidos, Europa. Alguns países da América Latina já iniciaram o uso de bateria. O Brasil está trabalhando para fazer isso agora. Está atrasado? Não, está na hora certa. O Brasil não precisou muito fazer investimentos em baterias, porque ele tem bateria natural, que são as hidrelétricas, no sistema elétrico. As hidrelétricas respondem por cerca de 60% da capacidade instalada no Brasil. Então, essa regularização de produção de energia sempre foi feita pelas hidrelétricas. Na medida que o sistema elétrico brasileiro vai crescendo e hoje já não temos mais como fazer hidrelétricas com reservatórios, nós vamos ter que buscar outras formas de estoque de energia. E a melhor forma de estocar a energia é por meio das baterias, que hoje estão se tornando economicamente viáveis, porque não eram. Tem uma razão econômica dela não ter sido também tão popularizada no mundo, mas agora a bateria poderia estar se tornando uma commodity e por causa os veículos elétricos também. Nós vamos fazer baterias, estamos trabalhando para que o governo realize o seu primeiro leilão de baterias e a associação trabalhou nisso para que essa pauta viesse forte por parte do governo.

Ela vai ser muito importante como forma de estoque de energia, mas ela também é importante como regularização elétrica do próprio sistema, traz mais segurança do sistema. E para nós que somos investidores, elas são também importantes mecanismos de seguro, porque o preço da energia varia ao longo do dia. Então a gente pode também fazer os ajustes de preços com as baterias e instalar essas baterias nos nossos parques híbridos. Já temos parques híbridos de eólica com solar. A gente pode fazer híbrido de eólica com solar com bateria, solar com bateria. Então tem muita possibilidade para essa tecnologia.

O que a AbEEólica tem feito para defender o segmento em relação às ações contra energias renováveis?

A energia eólica se tornou extremamente relevante, muito grande no país. E é claro que quando uma indústria cresce ela começa também a chamar a atenção da sociedade, da política e o que aconteceu foi isso: a energia eólica cresceu bastante, cresceu principalmente no Nordeste, e junto com esse crescimento vieram também as demandas sociais e ambientais. Então nós paramos para olhar para isso. Esses movimentos surgiram principalmente a partir de 2019, 2020, não tem tanto tempo. E nós nos preparamos para enfrentar a discussão. De fato, a fonte enfrenta essas dificuldades. Alguns projetos, principalmente os projetos mais antigos, que foram feitos lá no passado com a outra legislação ambiental, apresentaram alguns problemas. Nós fizemos um estudo do que é o problema, onde ele está, e as empresas estão fazendo agora fortes investimentos para fazer esses ajustes do passado, que no passado podia fazer daquele jeito. Mas agora concluiu-se, que não, não pode. Então tem que ajustar.

E nos projetos do presente, estamos seguindo outras diretrizes. A Associação lançou esse ano o Guia de Boas Práticas, que é um guia que mostra como fazer um parque eólico, com a melhor prática, desde o fundiário até a operação do parque. E temos trabalhado muito em torno desse guia, que é dinâmico, pois nós vamos fazendo atualizações. Estamos muito próximos das comunidades, as empresas sérias que querem realmente trabalhar com a comunidade. Temos feito esse trabalho e a despeito das críticas que temos visto, nós estamos bastante satisfeitos com os resultados que temos conseguido com esse trabalho.

Algumas dessas empresas têm promovido ações sociais no entorno das áreas. Qual a importância desse trabalho voltado ao social?

Nós sempre fizemos isso. As nossas empresas sempre foram muito cuidadosas com as regiões, com os projetos, com as comunidades, os nossos projetos, inclusive a própria licença exige isso, os nossos modelos de financiamento exigem também. Nós sempre fomos muito cuidadosos com essas práticas. Mas o que a gente percebe, e isso é natural, a sociedade muda, a exigência da sociedade também. Então são esses ajustes que precisam ser feitos de curto prazo e é isso que estamos fazendo, buscando entender que o que serve para uma comunidade, não serve para outra. Na medida que nós vamos ficando mais experientes para realizar esses projetos, também vamos melhorando essas relações.

Que ações e adaptações são essas?

Por exemplo, do impacto da distância de um aerogerador. No passado, existia uma norma que dizia que se você medisse o grau de ruído seria suficiente e você poderia colocar o aerogerador em qualquer lugar. Hoje percebemos que não basta só isso. Medir o ruído é um fator, mas ele entra numa análise multicritério; distância também é relevante. Então basicamente distância e ruído são determinantes para se colocar um aerogenerador. Agora, as práticas sociais importantes: fazemos muitos programas, com postos de saúde, escola, acesso à água potável, agricultura familiar, então temos várias ações nesse sentido e o fator que é mais importante nisso é que e a gente aprendeu com o tempo, com a própria comunidade, é que não adianta você ir lá e fazer uma atividade naquele momento enquanto você está construindo o parque e depois ir embora do local, que daí aquela atividade não continua mais. Os nossos projetos sociais agora estão com um caráter perene.

Fale um pouco sobre o evento Diálogo RN, que está acontecendo no Rio Grande do Norte.

É a segunda edição que estamos realizando. Nós fizemos a experimental na Bahia, no ano passado, e é um dia inteiro que a gente tira para discutir principalmente as questões ambientais e sociais naquele local, naquele estado em que a gente vai ouvir as empresas que estão ali investindo, falar com a comunidade, com as instituições ali presentes, as universidades, os órgãos ambientais. É um dia de diálogo para tratar tanto a questão ambiental quanto social e isso tem trazido para nós muitos resultados.

Tivemos assinado um protocolo de intenções para construção da sede do Geoparque Seridó. Qual a sua percepção sobre esse projeto?

É um projeto que temos orgulho. Duas empresas nossas, a empresa Casa dos Ventos e a Elera assinaram um protocolo em que elas vão construir a sede do GeoParque Seridó. Para nós é muito emblemático e importante, porque nossas empresas têm o compromisso com a comunidade, com a sociedade e elas sabem o quanto projetos desse tipo trazem resultados. E a governadora esteve aqui conosco também muito satisfeita da gente conseguir fazer esse projeto e o nosso compromisso é esse, nós temos o compromisso de fazer investimento em energia limpa, renovável, promover o desenvolvimento dessa fonte do país, trazer benefícios em torno de PIB, mas também trazer resultados para as comunidades e para as regiões.

Você foi nomeada pelo governo como Enviada Especial para Ações de Energia na COP 30. O que isso representa para você?

Fiquei muito orgulhosa de poder fazer parte disso. E justamente porque o Brasil tem toda essa potencialidade energética e toda essa história bonita com as energias renováveis de crescimento, de desenvolvimento. É esse caráter também muito de benefício socioeconômico, socioambiental. O meu papel é justamente fazer uma aproximação, um engajamento maior do setor produtivo, dos investidores, da sociedade com o próprio governo brasileiro e fazer essa conexão entre o que é uma Cop e o que são nossos projetos. Então, é um chamado também para mostrar o Brasil, para mostrar o setor de energia, para mostrar nossos investimentos e os nossos resultados.

QUEM

Economista, Elbia Gannoum é uma executiva brasileira e presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica) desde 2011. É doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestre em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Elbia também é vice-presidente do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC) e Enviada Especial de Energia na Cop30.

Fonte: https://tribunadonorte.com.br/economia/modelo-economico-que-exige-muito-mais-energia-renovavel-e-grande-oportunidade-diz-presidente-da-abeeolica/

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